Filosofia e Existência

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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

segundo degrau (7 a 12) ... O desapego

Continuação do post anterior...

7) O homem que chega a odiar o mundo escapa da tristeza. Mas aquele que tem apego a qualquer coisa visível não está livre da dor. Pois como é possível não se sentir triste com a perda de algo que amamos? Precisamos ter grande vigilância em todas as coisas, mas acima de tudo devemos prestar atenção nisso. Vi muitas pessoas no mundo que por motivo de preocupação, cuidados e vigílias, afastaram desejos selvagens de seus corpos. Mas depois de entrarem na vida monástica, a qual nos dá completa liberdade da ansiedade, acabaram poluindo a si mesmos de maneira lamentável, devido às exigências perturbadoras do corpo.

8) Prestemos atenção a nós mesmos para que não nos enganemos pensando que estamos seguindo o caminho estreito e apertado, quando, na realidade, estamos continuando no caminho largo e abrangente. Mostrarei o que significa o caminho estreito: mortificação do estômago, virgília a noite toda, água com moderação, poucas rações de pão, um projeto de purificação, escárnio, zombaria, insultos, cortar fora a própria vontade, paciência nos aborrecimentos, paciência nos aborrecimentos, resistência resignada com o desprezo, desrespeito com insultos, e o hábito de suportar as injustiças de maneira resistente; quando caluniado, não ficar indignado; quando humilhado, não ficar irado; quando condenado, ser humilde. Bem aventurados os que seguem este caminho, pois deles é o Reino dos Céus. (Mateus 5, 3-12).

9) Ninguém entrará na câmara nupcial celeste e será coroado a menos que faça a primeira, segunda e terceira renúncia. Quero dizer a renúncia de todos os negócios, pessoas e parentes; depois a renúncia da própria vontade e em terceiro lugar a renúncia da presunção, assumindo a obediência dos cães. "Vinde para fora e vos separeis dentre eles", diz o Senhor, "e não toqueis nada impuro" (2 Coríntios 6,17). Pois quem entre eles fez algum milagre? Quem ressuscitou os mortos? Quem expulsou os demônios? Ninguém. Tudo isso são os frutos vitoriosos dos monges, recompensas que o mundo não pode receber, e se pudesse, qual seria a necessidade da solidão e do asceticismo?

10) Após nossa renúncia, quando os demônios inflamam nosso coração ao nos lembrarem de nossos parentes e amigos, então vamos nos armar contra eles com a oração, e deixemo-nos inflamar com a lembrança do fogo eterno, para que assim pela lembrança de nós mesmos possamos esfriar a chama de nosso coração.

11) Se alguém pensa que é sem qualquer apego a algum objeto, mas se aflige com sua perda, então ele está se enganando completamente.

12) Se as pessoas jovens que são propensas aos desejos de amor físico e às maneiras de luxo desejarem entrar na vida monástica, deixe-os se exercitarem com jejuns e orações e convença-os a se absterem de todo luxo para que seu último estado não seja pior do que o primeiro. (Mateus 12, 45). Este porto garante segurança, mas também expõe ao perigo.  Aqueles que navegam os mares espirituais sabem disso. Mas é uma visão lamentável contemplar aqueles que sobreviveram os perigos do mar, sofrendo naufrágio no porto.

Este é o segundo degrau. Que aqueles que corram a corrida não imitem a mulher de Ló, mas o próprio Ló, e fujam.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

segundo degrau (1 a 6) ... O desapego

O desapego

1) O homem que realmente ama o Senhor, que fez um esforço real para encontrar a vinda do Reino, que começou a ser incomodado por seus pecados, que é realmente consciente do tormento eterno e do juízo final, que realmente vive no temor de sua própria partida, não amará, cuidará ou se preocupará com dinheiro, posses, parentes, glória mundana, ou amigos, ou irmãos, ou qualquer coisa na terra. Mas tendo sacudido todos os laços com as coisas terrenas, e tendo se despido de todos os cuidados, chegando mesmo a odiar a sua própria carne, e despojando-se de tudo seguirá a Cristo sem ansiedade ou hesitação, sempre olhando para o céu e esperando ajuda de lá, de acordo com a palavra  do santo homem: a minha alma te segue de perto (Salmo 63, 8) e de acordo com o autor sempre memorável , "não tenho cansado de seguir-te, nem tampouco desejei o dia do repouso, o Senhor!" (Jeremias 17, 16).

2) Depois do chamado, que vem de Deus e não do homem, deixamos tudo o que foi mencionado acima e é uma grande desgraça para nós nos preocuparmos com qualquer coisa que não possa nos ajudar na hora de nossa necessidade, isto é, na hora de nossa morte. Pois como o Senhor disse isso é olhar para trás e não estar apto ao Reino dos Céus. Sabe-se quão inconstantes são os noviços e quão facilmente se voltam para as coisas do mundo através de uma visita, ou estando com pessoas mundanas, quando se diz, por exemplo, "deixe-me primeiro enterrar meu pai", e o Senhor responde, "deixe que os mortos enterrem seus mortos". (Mateus 7,22).

3) Após nossa renúncia do mundo, os demônios nos sugerem que devemos invejar aqueles que vivem no mundo que são misericordiosos e compassivos, e que devemos nos lamentar como desprovidos de tais virtudes. O objetivo de nossos inimigos é, por falsa humildade, fazer com que retornemos ao mundo, ou então, permanecendo monges, caiamos no desespero. É possível menosprezar menosprezar os que vivem no mundo da vaidade; é também possível rebaixá-los dando-lhes as costas, o que evita o desespero e faz surgir a esperança.

4) Ouçamos o que o Senhor diz ao jovem homem que havia cumprido quase todos os mandamentos: "Uma coisa te falta; vende tudo o que tens, dá aos pobres, torna-te um mendigo que recebe esmolas dos outros". (Marcos 10,21).

5) Tendo resolvido salvar nossa linhagem com ardor e fervor, consideremos cuidadosamente, como o Senhor julgou todos os que vivem neste mundo, falando dos vivos como se estivessem mortos, quando Ele disse a alguém: "Deixe que os mortos enterrem seus mortos". A riqueza não impede que alguém seja batizado. Por causa do batismo não estamos obrigados a vender nossas posses. Mas ao fazer o que está além do voto, temos garantia mais firme da glória futura.

6) É digno de nota investigar porque aqueles que vivem no mundo e passam a vida em jejuns, vigílias, esforços, dificuldades quando se retiram do mundo e entram para  a vida monástica, como se algum obstáculo se interpusesse,  não mais continuam a espúria e fraudulenta disciplina ascética que possuíam. Vi como no mundo plantaram diferentes plantas de virtude, todas regadas pela vanglória, pela ostentação e adubadas pelo louvor. Mas quando transplantadas para um solo de deserto, inacessível às pessoas do mundo e por isso não regadas pela água fétida da vaidade, secaram imediatamente. As plantas que gostam desta água não produzirão frutos em campos áridos e duros.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

primeiro degrau (20 a 27)... continuação

Continuação do post anterior...

20) Se um rei terreno nos chama e pede para que o sirvamos em sua presença, não devemos adiar para outras ordens, não devemos dar desculpas, devemos deixar tudo e avidamente ir até ele. Estejamos em alerta para que quando o Rei dos reis, Senhor dos senhores e Deus dos deuses nos chamar a este escritório celestial, não choremos devido à nossa preguiça e covardia mas nos encontremos sem desculpas no Juízo Final. É possível caminhar, mesmo amarrado com os grilhões de ferro dos afazeres mundanos e penosos cuidados, mas com dificuldade. Pois mesmo aqueles que possuem correntes de ferro em seus pés, muitas vezes podem andar, ainda que continuamente caindo e se machucando. Um homem solteiro que só está ligado ao mundo por conta de seus negócios é como aquele que tem algemas nas mãos e, portanto, se quer entrar para a vida monástica, nada há a impedi-lo. Mas o homem casado é aquele que está com os pés e as mãos atados. (E então, se quer correr, não pode).

21) Algumas pessoas que vivem desleixadamente no mundo me perguntaram: "Nós temos esposas e estamos cercados de encargos sociais, como podemos conduzir a vida solitária?". A eles respondi: "Faça todo o bem que puder, não fale mal de ninguém, não roube ninguém, não minta para ninguém, não seja arrogante, não odeie, não se esqueça de ir à Igreja, seja compassivo com os necessitados, não ofenda ninguém, não destrua a felicidade de outro homem, contente-se com o que sua esposa lhe oferece. Se você se comportar dessa forma, não estará longe do Reino dos Céus.

22) Vamos entrar na boa luta com amor e alegria sem temer nossos inimigos. Ainda que eles sejam invisíveis, eles podem olhar para a nossa alma, e se eles a veem alterada pelo medo, eles tomam armas contra nós mais ferozmente. Pois as criaturas astutas sabem quando estamos com medo. Deste modo, armemo-nos com coragem. Ninguém lutará com um lutador decidido.

23) O Senhor intencionalmente facilita as batalhas dos iniciantes para que eles não retornem ao mundo logo de início. E assim alegrar sempre no Senhor todos os Seus servos, detectando neste primeiro sinal seu amor por nós, e um sinal de que Ele mesmo nos chamou. Mas quando Ele vê almas corajosas, Ele é conhecido por agir da seguinte forma: ele permite que elas tenham conflitos desde o início, para coroá-los antes. Mas o Senhor esconde a dificuldade desta luta àqueles que estão no mundo. Porque caso conhecessem jamais existiria alguém que renunciasse a ele.

24) Ofereça a Cristo os labores da juventude e na velhice você se alegrará com a riqueza do desapego. O que é colhido na juventude nutre e conforta aqueles que estão cansados na velhice. Trabalhemos com ardor na juventude e sigamos vigilantes, pois a hora da nossa morte é desconhecida.  Temos inimigos maus e perigosos, astutos, inescrupulosos, que detém o fogo em suas mãos e tentam queimar o templo de Deus com a chama que há nele. Estes inimigos são fortes. Eles nunca dormem, e são incorpóreos e invisíveis. Que ninguém quando jovem escute seus inimigos, os demônios, quando estes lhe dizem: "Não se desgaste para não se tornar doente e fraco". Dificilmente você encontrará alguém, na geração atual, que esteja determinado a mortificar a sua carne, ainda que ele se prive de muitos pratos agradáveis. O objetivo deste demônio é fazer do início da nossa vida espiritual frouxa e negligente e depois, ao final, fazê-la corresponder ao início.

25) Aqueles realmente determinados a servir a Cristo, com a ajuda dos pais espirituais e de seu próprio autoconhecimento, devem se esforçar antes de tudo em encontrar um lugar, um modo de vida e uma habitação, e exercícios adequados para si. A vida comunitária não é para todos por conta da cobiça; e a também a vida solitária, por conta da ira. Cada um deve considerar o que é mais adequado de acordo com suas necessidades.

26) Toda a condição monástica é constituída de três tipos de instituição: ou o retiro e a solidão de um atleta espiritual; ou viver em silêncio com uma ou duas pessoas ou estabelecer-se pacientemente em uma comunidade. Não se vire nem para a direita nem para a esquerda, mas siga a rota do Rei. Dos três modos de vida o segundo é apropriado para muitas pessoas pois está escrito: "Ai daquele que está sozinho quando cai" (Eclesiastes 4,10) em desânimo, letargia, preguiça ou desespero, "pois  onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ai estou eu no meio deles" (Mateus 18, 20), disse o Senhor.

27) Quem é então o monge fiel e prudente? Aquele que mantém seu fervor inabalado, e até o fim de sua vida não cessou diariamente a adicionar fogo ao fogo, fervor ao fervor, zelo ao zelo, amor ao amor. Este é o primeiro passo. Aquele que tem pés que não retroceda.

primeiro degrau (8 a 19)... continuação

Continuação do post anterior...

8) Aqueles que visam ascender com o corpo ao céu, necessitam de fato violência e sofrimento constante especialmente nos primeiros estágios de sua renúncia até que suas disposições para os prazeres e seus corações insensíveis obtenham o amor de Deus e a castidade pelo lamento visível. Uma grande luta, muito grande mesmo, com muito sofrimento invisível, especialmente para aqueles que vivem de qualquer jeito, chegar-se à simplicidade, à profunda mansidão e diligência, ao amor da castidade e da vigilância. Nossa mente é um cão guloso viciado em latidos. mas nós que somos fracos e cheios de paixões temos a coragem de oferecer nossas enfermidades e fraqueza natural a Cristo com firme fé e confessando-se a Ele: e estejamos certos que obteremos ajuda, mesmo para além de nossos méritos, se formos incessantemente direto ao  abismo profundo da humildade.

9) Todos os que entrarem no bom combate, que é difícil e estreito, mas também leve, precisam compreender que precisam saltar para o fogo, se eles realmente esperam que o fogo celestial lhes habite. Mas que cada um se examine a si mesmo e assim como o pão com suas ervas amargas e beba o cálice de suas lágrimas para que seu serviço sirva como seu próprio julgamento. Se todos os que foram batizados não forem salvos- farei silêncio sobre o que vai seguir-se.

10) Aqueles que entram nesta luta devem renunciar a todas as coisas, desprezá-las, rir-se delas, sacudi-las, a fim de que possam estabelecer um firme fundamento. Uma boa base de três camadas e três pilares é a inocência, o jejum e a temperança. Que todas as criancinhas em Cristo comecem com estas virtudes, tendo como modelos os bebês naturais. Pois nunca se encontra neles algo dissimulado ou enganoso. Eles não têm nenhum apetite insaciável, nenhum estômago insaciável, nenhum corpo em chamas; no entanto, à medida em que crescem, na proporção em que tomam mais alimento, suas paixões naturais também aumentam.

  11) Abandonar a luta logo de início e assim fornecer ocasião à derrota é coisa muito odiosa e perigosa. Um firme começo é certamente útil quando crescidos. Uma alma que é forte no começo e depois relaxa é estimulada pela memória de seu antigo zelo. E por este caminho poderá obter novas asas.

12) Quando a alma se trai e perde o abençoado e longânime fervor, investigue cuidadosamente a razão para perdê-lo. Arme-se com todo o seu desejo e zelo contra aquilo que causou tal perda de fervor. Pois o primeiro fervor só pode ser recuperado através da mesma porta pela qual foi perdido.

13) O homem que renuncia ao mundo com medo é como um incenso em chamas, que começa com fragrância mas termina em fumaça. Aquele que deixa o mundo com esperança de recompensa é como uma pedra de moinho que sempre se move no mesmo sentido. Mas aquele que se retira do mundo por amor a Deus obteve o fogo logo de início; e como o fogo é combustível, logo logo ele acende um fogo maior.

14) Alguns constroem tijolos em cima de pedras. Outros estabelecem pilares em cima do chão. Há aqueles que vão curtas distâncias e tendo esquentado suas articulações vão mais rápido. Quem puder entender essa palavra alegórica que entenda.

15) Vamos avidamente executar o nosso chamado como homens convocados por nosso Deus e Rei, já que nosso tempo é curto, para que não sejamos encontrados no dia de nossa morte sem frutos e perecendo de fome. Agrademos ao Senhor como soldados agradam seu rei, porque somos obrigados a prestar contas de nosso serviço após a campanha. Temamos ao Senhor não menos do que tememos as feras. Pois conheci homens que iam roubar e não temiam a Deus, mas ouvindo o latido de cachorros, voltaram atrás. Assim, o que não foi obtido pelo temor a Deus o foi pelo medo dos animais. Amemos a Deus pelo menos na mesma medida em que amamos e respeitamos nossos amigos. Pois eu vi frequentemente pessoas que ofenderam a Deus e não estavam perturbadas acerca disso. E vi como aquelas mesmas pessoas provocaram seus amigos em alguma questão insignificante e depois empregaram todo artifício, dispositivo, sacrifício, pedido de desculpas, pessoalmente ou através de seus amigos e parentes, não poupando presentes, a fim de recuperar seu antigo amor.


16) No início de nossa renúncia é certamente com labuta e tristeza que praticamos as virtudes. Mas quando fazemos progressos nós não sentimos lamento, ou o sentimos apenas um pouco. Mas assim que nossa mente mortal é consumida e dominada por nosso entusiasmo, nós o praticamos com alegria e prontidão, com amor e fogo divino.

17) Aqueles que de uma só vez desde o início seguem as virtudes e cumprem os mandamentos  com alegria e entusiasmo, certamente, merecem elogios. E do mesmo modo, aqueles que passam muito tempo em asceticismo e acham um fardo obedecer aos mandamentos, quando obedece a todos eles, merecem, sem dúvida, piedade.

18) Não abominemos nem condenemos a renúncia que ocorre devido apenas às circunstâncias. Encontrei homens que foram para o exílio se encontrar com o imperador quando este estava em viagem, gozando de sua companhia, de seu palácio, jantando com ele. Vi sementes caindo em terra e dando frutos. Vi também o oposto. Vi pessoas chegando ao hospital por algum motivo, mas a cortesia e doçura do médico vieram a ele, tratando-o com adstringente e curando-lhe a cegueira dos olhos. Assim o  não intencional é mais forte e seguro em alguns e o intencional em outros.

19) Que ninguém, apelando para o peso e multidão de seus pecados, diga que não é digno do voto monástico, e por amor ao prazer se menospreze, desculpando-se com escusas seus pecados. Onde há muita corrupção é necessário um tratamento considerável para se retirar toda a impureza. O saudável não vai a um hospital.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

A escada da divina ascensão


Traduzido da versão inglesa de
 Archimandrite Lazarus Moore (Harper & Brothers, 1959)
Um tratado ascético pelo Abba João, abade dos monges do Monte Sinai, por ele enviado pelo pai João, Abade de Raithu, a pedido de quem foi escrito. 
 Etapa 1:
A renúncia do mundo
1)   Nosso Deus e Rei é bom, ultrabom e sumamente bom (é melhor começar com Deus quando se escreve aos servos de Deus). Dos seres racionais criados por Ele e honrados com a dignidade da livre vontade, alguns são seus amigos, outros são verdadeiros servos, alguns são inúteis, alguns são completamente estranhos a Deus e outros, a despeito de serem criaturas falíveis são igualmente Seus oponentes. Por amigos de Deus, querido e santo Pai, nós, pessoas simples, queremos dizer, os seres intelectuais e incorpóreos que rodeiam a Deus. Por verdadeiros servos de Deus queremos dizer todos aqueles que de forma incansável e incessantemente fazem e tem feito a Sua vontade. Por servos inúteis queremos dizer aqueles que pensam de si mesmos como lhes tendo sido concedido o batismo, mas que não possuem fé suficiente para manter os votos que fizeram a Deus. Por estranhos a Deus e dEle alienados, queremos dizer os ateus e hereges. Finalmente, os inimigos de Deus são aqueles que não apenas rejeitaram e escaparam dos mandamentos do próprio Senhor, mas também empreendem guerras contra aqueles que estão cumprindo isso.
2)    Cada uma das classes acima poderia bem ter um tratado dedicado a elas. Mas para um povo simples como nós não seria de nenhum proveito entrar em tais investigações profundas.  Venham então, em inquestionável obediência, dar as mãos aos verdadeiros servos de Deus que devotamente nos compelem e em sua fé nos constrangem aos seus comandos. Vamos assim escrever este tratado com a caneta tirada de seu conhecimento e mergulhada na tinta da humildade, que é ao mesmo tempo subjugada e radiante. Então vamos aplicá-lo ao papel branco de seus corações, ou melhor, colocaremos nas tábuas do espírito, e inscreveremos as palavras divinas (ou melhor, semear as sementes). Começaremos assim.
3)   A Deus pertencem todos os seres livres. Ele é a vida de todos, dos justos e injustos, pios e ímpios, apaixonados e desapegados, monges e seculares, sábios e simples, saudáveis e doentes, jovens e velhos, assim como os raios de luz, o sol, as mudanças do clima são para todos iguais, “pois não há acepção de pessoas em Deus” (Romanos 2, 2).
4)   O homem irreligioso é um ser mortal com natureza racional que por sua livre vontade volta suas costas à vida e pensa seu próprio Criador, o sempre existente, como não existente. O homem sem lei é aquele que detém a lei de Deus à sua maneira depravada e pensa em combinar a fé em Deus com a heresia que é diretamente oposta a Ele. O cristão é aquele que imita Cristo em pensamento, palavra e ação, na medida que isso é possível aos seres humanos, acreditando com razão e sem culpa na Santíssima Trindade. O amante de Deus é aquele que vive em comunhão com tudo o que é natural e sem pecado e na medida em que é capaz não negligencia nada que seja bom. O homem continente é aquele que no meio de tentações, armadilhas e tumulto, luta com todas as suas forças para imitar as formas dAquele que está livre de tais coisas. O monge é aquele que no interior de seu corpo terreno e sujo se esforça para atingir o estado e disposição dos seres incorpóreos. Um monge é aquele que controla estritamente sua natureza e policia incessantemente seus sentidos. Um monge é aquele que mantém seu corpo na castidade, sua boca pura e sua mente iluminada. Um monge é uma alma em luto que seja na vigília seja no sono tem diante de si a lembrança da morte. Retirado do mundo tem um ódio voluntário às coisas vãs materiais e negando a natureza buscam superar a natureza.

5) Todos os que deixaram de boa vontade as coisas do mundo, certamente o fizeram por amor ao Reino Futuro, ou por causa da multidão de seus pecados, ou por amor a Deus. Se não forem motivados por alguma destas razões, sua retirada não é razoável. Mas Deus que define nossas lutas aguarda para ver qual será o fim de nosso curso.
6) O homem que se retirou do mundo para se livrar do fardo de seus pecados, deve imitar aqueles que se estabeleceram fora da cidade entre as tumbas, e não deve interromper o manancial ardente de lágrimas e gemidos sinceros sem voz até que ele também veja Jesus rolar a pedra da dureza de seu coração e libertar Lázaro, ou seja, nossa mente, das faixas do pecado e ordenar seus anjos atendentes para que o livre de suas paixões e o deixe ir para o abençoado desapego. Caso contrário seu ganho não terá sido nada.
7) Aqueles que desejam sair do Egito e fugir do Faraó certamente precisam de algum Moisés como mediador para comunicar-se com Deus, o qual entre a ação e a contemplação, pondo-se de pé, levante as mãos em oração a nós por Deus, para que guiado por Ele possamos cruzar o mar do pecado e derrotar o Amaleque das paixões. Aqueles que se entregam a Deus enganam a si mesmos se supõem que não precisam de um diretor. Aqueles que saíram do Egito tinham Moisés como seu guia e os que fugiram de Sodoma tinham um anjo. Os primeiros são aqueles que foram curados das paixões da alma pelo cuidado dos médicos: são estes que fugiram do Egito. Os últimos são aqueles que por muito tempo adiaram limpar as impurezas de seu corpo miserável. É por isso que precisam de um ajudante, um anjo, por assim dizer, ou pelo menos alguém que viva como anjo. Pois em proporção à corrupção de nossas chagas necessitamos de um diretor que seja, ao mesmo tempo, um perito e um médico. 


Neste espaço teremos tradução do texto de São João Clímaco "A escada da Divina Ascensão" de São João Clímaco.
O texto da escada foi traduzido do inglês, embora tenha sido escrito originalmente no grego. Como não encontrei versões em português e por se tratar de um texto que merece ser lido, julguei que era melhor lê-lo mesmo numa tradução ruim, a nunca se chegar a conhecê-lo. Trata-se de um texto que influenciou toda a literatura mística cristã oriental que o seguiu. A versão aqui apresentada foi traduzido da versão inglesa de  Archimandrite Lazarus Moore (Harper & Brothers, 1959).
São João Clímaco é também conhecido como João da Escada, já que "klimax"quer dizer escada. Este livro se tornou um dos mais lidos na época do Império Bizantino. Cada postagem será a tradução de um "degrau". Ao todo são 30 degraus, equivalentes aos trinta anos da vida oculta de Jesus. Esta escada é para ser pensada em analogia à escada de Jacó. 
Não temos muitas informações sobre o monge São João Clímaco. Muito provavelmente ele é do século VII e viveu por anos uma vida de eremita. Segue abaixo o ícone da "escada".